sábado, 13 de junho de 2009
segunda-feira, 8 de junho de 2009
A Justiça
O justo será aquele que não viola nem a lei e nem os interesses legítimos de outra pessoa, e também não viola nem o direito (em geral), nem os direitos (particulares). Em suma, justo é aquele que fica só com sua parte dos bens e com toda a sua parte dos males. A justiça se situa nesse duplo respeito à "legalidade" (leis estabelecidas), e a "igualdade" entre os indivíduos.
O justo é o que é conforme à lei e o que respeita a igualdade. O injusto é o que é contrário à lei e falta com a igualdade.
A justiça é o que é estabelecido, assim todas as nossas leis estabelecidas serão necessariamente consideradas justas sem ser examinadas, pois são estabelecidas.
O fato da lei (a legalidade- leis), importa mais que seu valor (sua legitimidade, seu valor). É a autoridade, não a verdade que faz a lei.
A justiça, lemos em Platão, é o que reserva a cada um sua parte, seu lugar, sua função, preservando assim a harmonia hierarquizada do conjunto. Seria justo dar a todos as mesmas coisas, quando eles não têm nem as mesmas necessidades nem os mesmos méritos?
Exigir de todos as mesmas coisas, quando eles não têm nem as mesmas capacidades nem os mesmos encargos?
Mas como manter então a igualdade entre homens desiguais? Ou a liberdade entre iguais? O mais forte prevalece, é o que se chama política.
Lei é lei, seja justa ou não. Mas ela não é portanto, a justiça. Não mais a justiça como fato (legalidade), mas a justiça como valor (a igualdade).
Esse segundo ponto concerne à moral, mais que ao direito. Quando a lei é injusta, é justo combatê-la e pode ser justo às vezes, violá-la.
Respeitar as leis, sim, ou pelo menos obedecer a elas e defendê-las. Mas não à custa da justiça, não à custa da vida de um inocente! A moral vem antes, a justiça vem antes, pelo menos quando se trata do essencial, e o essencial é a liberdade de todos, a dignidade de cada um e os direitos, primeiramente, do outro.
Às vezes é necessário entrar na luta clandestina, às vezes obedecer ou desobedecer... O desejável é, evidentemente, que leis e justiça caminhem no mesmo sentido, e é nisso que cada um, enquanto cidadão, tem a obrigação moral de se empenhar.
A justiça não pertence a nenhum campo, a nenhum partido, todos são moralmente obrigados a defendê-la. a justiça deve ser preservada não pelos partidos, mas pelos indivíduos que os compõem. A justiça só existe e só é um valor, quando há justos para defendê-la.
Aristóteles dizia: " "Não é a justiça que faz os justos, são os justos que fazem a justiça.
O princípio deve estar do lado de certa igualdade ou reciprocidade ou equivalência entre indivíduos. A justiça é a virtude da ordem, mas honesta, reta, justa.
Aproveitar-se da ingenuidade de uma criança, da falta de conhecimento de um ignorante, da insensatez de um louco, do desespero de um miserável para obter deles, sem que saibam o que estão fazendo ou por coerção, forçar um ato que é contrário a vontade deles, é ser injusto, mesmo que a legislação não se oponha formalmente.
A vigarice, a extorsão, a usura, o roubo, são injustos e errados. O simples comércio só é justo quando respeita entre comprador e vendedor, certa igualdade, tanto na quantidade de informações disponíveis, do objeto da troca, quanto nos direitos e deveres de cada um.
A riqueza não dá nenhum direito particular (ela dá um poder particular, mas esse poder não é a justiça). A justiça é a igualdade, mas a igualdade dos direitos, sejam eles juridicamente estabelecidos ou moralmente exigidos.
Lemos em Spinoza: " É chamado justo, quem tem uma vontade constante de atribuir a cada um o que lhe cabe". A justiça só existe na medida em que os homens a querem, de comum acordo, e a fazem. Não há justiça sem leis, nem sem cultura. Não há justiça sem sociedade.
A doçura e a compaixão não fazem as vezes da justiça, nem assinalam seu fim, elas são sua origem, e é por isso que a justiça, que vale primeiro em relação aos mais fracos, em caso algum os excluiria de seu campo, nem nos dispensaria do dever de respeitá-la.
A justiça sem a força é impotente, a força sem a justiça é tirânica. Não são os justos que prevalecem, são os mais fortes, sempre.
A impotência é fatal, a tirania é odiosa. Portanto, é necessário por a justiça e a força juntas, é para isso que a política serve e é isso que a torna necessária (a política).
O desejável é que leis e justiça caminhem no mesmo sentido.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
- A Coragem
Coragem é a capacidade de superar o medo. Covardia é se entregar ao medo. Mas ela pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Maldade corajosa é maldade, fanatismo corajoso é fanatismo.
A inteligência e a força, também são admiradas, também são ambíguas, servem tanto ao bem quanto ao mal. E existe a coragem dos heróis e a coragem do mal, em praticar a maldade.
Um exemplo: dois terroristas que explodem cada um um avião cheio de turistas. Como não desprezar mais o que faz isso de terra, sem correr nem um risco, do que o que fica no avião e morre? Os dois atentados são moralmente condenáveis. Mas um dos terroristas acrescenta a isso a covardia, e o outro a coragem. Em que isso altera as coisas? Nada para os passageiros. Mas o terrorista heróico, mostra com seu sacrifício a sinceridade de suas motivações. Uma alusão a essa coragem é que o sentimento por ele seria atenuado. Já não é mais uma pessoa pronta a sacrificar vítimas inocentes para sua própria felicidade. Já o covarde sacrifica inocentes sem se sacrificar.
O que estimamos na coragem é o sacrifício de si, é aceitar correr o risco, sem motivação egoísta. Alguém te agride na rua, te impedindo de se retirar. Você vai se defender ou pedir clemência? É uma questão de estratégia (pode evitar a morte), ou de temperamento (aumentar o risco de morte, pois seria uma imprudência).
Por outro lado você ouve uma mulher pedir socorro...você dará ou não prova de coragem?
A coragem é mais estimada do ponto de vista moral, quando se põe a serviço do outro, ou de uma causa. Como traço de caráter, a coragem é uma fraca sensibilidade ao medo, seja por ele ser pouco sentido, seja por ser bem suportado. É a coragem dos brigões, dos durões, e virtude pode não ter nada a ver com ela.
A coragem força o respeito, pelo fato de que a coragem manifesta uma disposição para enfrentar os temores, ou seja, o domínio de si e de seu medo. Essa primeira coragem física ou psicológica, ainda não é uma virtude, os antigos consideravam-na a marca da virilidade. E muitos ainda hoje concordam com eles. Mas uma mulher pode dar prova dela também. E essa coragem pode pertencer tanto ao patife como ao homem de bem. Coragem patológica, útil na maioria das vezes, mas útil antes de qualquer coisa a quem a sente. Um assalto a banco não acontece sem perigo e coragem, mas nem por isso é moral.
Como virtude, a coragem é desinteressada, é generosa. Ela não exclui uma certa insensibilidade ao medo ou a ausência dele, mas é por uma vontade mais forte, que se faz capaz de superá-lo quando ele existe. É a força da alma diante do perigo. É a coragem dos heróis (virtude), e não a coragem dos valentões, dos durões.
As outras virtudes sem a coragem seriam vãs. O justo sem a prudência, não saberia combater a injustiça, mas sem a coragem, não ousaria empenhar-se nesse combate. Na verdade, qualquer virtude é coragem, pois sem coragem não se é virtuoso. Agir de maneira firme e inabalável, é ter força de alma, é ter coragem. É a coragem que faz enfrentar os perigos e suportar os sofrimentos.
Coragem é o contrário de covardia, preguiça, frouxidão. O perigo não é o trabalho, o medo não é o cansaço. Mas é preciso superar os dois, pois o primeiro impulso prefere o repolso ou a fuga.
Podemos mostrar coragem diante de um perigo ilusório, e ela pode nos faltar diante de um perigo real.A coragem não é ausência de medo, é a capacidade de enfrentá-lo, de dominá-lo, de superá-lo.
É preciso coragem para pensar às vezes (assuntos que evitamos pensar), como é preciso coragem para sofrer ou lutar, porque ninguém pode pensar em nosso lugar, nem sofrer em nosso lugar, muito menos lutar por nossas necessidades ou desejos. Porque só a vontade não basta, é necessário ainda superar em si tudo o que estremece ou resiste, ou entristece, tudo que preferiria a ilusão ou uma mentira, que seria mais fácil. Essa é a chamada "coragem intelectual", que é a recusa ao medo, que é a recusa a ilusão e que é a busca pela verdade. Coragem intelectual ou se preferir, "lucidez".
Por isso é preciso coragem, coragem para durar e aguentar, coragem para viver e para morrer, coragem para enfrentar, coragem para perseverar. "Coragem de alma", como dizia Spinoza, que é o esforço para conservar-se sob a razão.
Toda coragem é feita de vontade. É preciso coragem para continuar ou manter. Continuar, na verdade é recomeçar sempre, apesar do cansaço, do medo, e por isso sempre difícil. É preciso pois, sair do medo pela coragem.
A coragem triunfa sobre o medo, ou pelo menos tenta triunfar, e esse tentar já é ter coragem. Um homem de alma forte, esforça para agir bem, esse esforço é a coragem.
Como toda virtude, a coragem só existe no presente. Ter tido coragem não prova que se terá, nem mesmo que se tem. O passado é conhecido e, por isso mais significativo, enquanto o futuro é apenas fé ou esperança, ou seja, uma imaginação. Querer fazer uma doação amanhã ou outro dia, não é ser generoso. Querer ser corajoso semana que vem, não é ter coragem. Trata-se apenas de projetos, querer sonhar, são virtudes imaginárias.
Coragem é a intenção do ato, agora, já. Se é o futuro que tememos, é no presente que temos que suportar esse medo, é a realidade atual do sofrimento, do infortúnio ou da angústia que temos que enfrentar e sobreviver à eles. O canceroso em fase terminal, precisa ter coragem não só para o futuro (que é de mais sofrimento, mais dor e a própria morte), como precisa de coragem agora, para suportar seu sofrimento.
É preciso ter coragem ainda para suportar uma deficiência, para assumir um fracasso ou um erro, ter coragem nesse momento, enquanto dura essa tristeza e, no futuro, que vai ser a continuação desse presente. O cego precisa de maior coragem do que aquele que enxerga bem, e não apenas porque a vida para ele é mais perigosa.
Na medida em que o sofrimento é maior que o medo, é necessário maior coragem para suportá-lo. A tortura é um sofrimento extremo, e a morte é um medo extremo. O medo da tortura e da morte, ambas iminentes. É preciso mais coragem para resistir à tortura do que a sua ameaça. E quem não preferiria suicidar-se, apesar do medo, a sofrer a esse ponto? Quantos não o fizeram? Quantos lamentaram não ter meios para fazê-lo?
É preciso ter coragem para suicidar-se, mas é menos do que resistir à tortura. Porque a morte seria livra-se do sofrimento, enquanto que a tortura seria continuar no sofrimento, no horror que se prolonga.
Em resumo, a coragem não se refere apenas ao futuro, ao medo, à ameaça, refere-se também ao presente, e sempre depende mais da vontade do que da esperança.
Por isso a esperança é uma virtude dos crentes, enquanto a coragem é para qualquer homem. Basta querê-lo, basta sê-lo.
Descartes: " É nos casos mais desesperados e mais perigosos que se empregam mais ousadia e coragem". O herói diante da morte, pode esperar a glória ou a vitória. Mas essa esperança não é objeto de sua coragem. Essa esperança reforça ou sustenta a sua coragem.
Já que a esperança sustenta a coragem, é necessário ser corajo sobretudo na falta dela, e o verdadeiro herói é aquele que é capaz de enfrentar o risco da morte ou a certeza dela. É a coragem dos vencidos e nem por isso é menor ou menos meritória do que as dos vencedores.
As pessoas verdadeiramente corajosas, só agem impelidas pelo bem, pelo sentimento de honra, escrevia Aristóteles. Segundo ele, a coragem mais elevada é a sem esperança.
A vida nos ensina que é preciso coragem para suportar o desespero, e que às vezes o desespero pode dar coragem. Quando não há mais nada a esperar, não há mais nada a temer, eis toda a coragem disponível.
Rabelais dizia: "Nunca se deve por o inimigo em desespero, porque nessa situação, sua força multiplica e aumenta sua coragem. Pode temer tudo de quem nada teme". E o que temeriam se não tem mais nada há esperar?
É necessário avaliar os riscos que se correm ao fim que se destinam. É bonito arriscar a vida por uma causa nobre, mas insensato fazer por pouca coisa ou pelo fascínio pelo perigo. É o que distingue o corajoso do temerário. O covarde é submisso demais a seu medo, o temerário despreocupado demais com sua vida ou com o perigo.
A ousadia só é virtuosa se temperada pela prudência. A virtude de um homem se revela tão grande quando ele evita os perigos, como também quando os supera. Ele escolhe com a mesma firmeza de alma, ou presença de espírito, a fuga ou o combate. Para todo homem há o que ele pode ou não pode suportar. O fato de encontrar ou não, antes da morte, o que vai abatê-lo, é questão de sorte, tanto quanto de mérito. Os heróis sabem disso quando são lúcidos.
terça-feira, 2 de junho de 2009
A Temperança (moderação)
É próprio de um homem sábio usar as coisas e ter nisso o maior prazer possível (sem chegar ao fastio, o que não é mais ter prazer).
A temperança é o contrário do fastio, ou o que leva a ele. Não se trata de desfrutar menos, mas desfrutar melhor. A temperança, que é a moderação nos desejos sensuais, é também a garantia de um desfrutar mais puro ou mais pleno. É um gosto cultivado, dominado.
A temperança é essa moderação pela qual permanecemos senhores de nossos prazeres, em vez de ser escravos. É o desfrutar livre, e que por isso, desfruta melhor ainda, pois desfruta também sua própria liberdade.
Que prazer fumar quando queremos, e não pela força do vício! Beber quando não somos prisioneiros do álcool! Fazer amor quando não somos prisioneiros do desejo! Prazeres mais puros, porque livres. Mais alegres, porque mais bem controlados. Mais serenos, menos dependentes. Porém não é fácil e nem sempre possível.
É nisso que a temperança é uma virtude, isto é uma excelência. Ela é o oposto da intemperança e da insensibilidade, entre a tristeza do desregrado e a do incapaz de gozar, entre o fastio do glutão e o do anoréxico.
O intemperante é um escravo, mais subjugado ainda por transportar por toda parte seu amo consigo. Prisioneiro de sua força ou de sua fraqueza.
Epicuro, Aristóteles ou Platão, preferiam falar de "independência". Não ser dependente de seus desejos ou medo...
A temperança é um meio para a independência, assim como esta é um meio para a felicidade. Ser temperante é poder contentar-se com pouco, mas não é o pouco que importa, é o poder, é o contentamento em conseguir a moderação.
A temperança é um trabalho do desejo sobre si mesmo. Ela não visa superar nossos limites, mas respeitá-los. É a preocupação consigo. É a prudência aplicada aos prazeres, trata-se de desfrutar o mais possível, o melhor possível, mas consciente desse desfrutar, não pela quantidade, mas pela qualidade.
Pobre Don Juan que necessita de tantas mulheres! Pobre alcoólatra que precisa beber tanto!
Epicuro ensinava a sentir os prazeres conforme eles aparecem, tão fáceis de satisfazer quando são naturais. É tão simples matar a sede, a fome ou o sexo! Não precisa de muito para satisfazer.
Não é o corpo que é insaciável. A ilimitação dos desejos que nos condena à falta, à insatisfação ou a infelicidade. Isso nada mais é que uma doença da imaginação.
O sábio estabelece limites para o desejo, como para o temor. São os limites do corpo, da temperança. Mas os intemperantes os desprezam. São prisioneiros do prazer em vez de serem liberados dele (pelo próprio prazer). Eles querem mais, sempre mais, e não sabem se contentar nem mesmo com o excesso. É por isso que os desregrados são tristes, é por isso que os alcoólatras são infelizes.
O sábio tem objetivo mais elevado, mais próximo de si ou do essencial, a quantidade de seu prazer importa-lhe mais do que a do prato que o ocasiona. É um conhecedor. Ele sabe que só há prazer do gosto, e só há gosto do desejo.
O que é necessário é fácil de conseguir, o que não, é difícil de conseguir ou conservar serenamente. Mas quem sabe se contentar com o necessário? Somente o sábio talvez. O melhor e não o mais é o que o atrai e que basta à sua felicidade. Ele vive com o coração contente de pouco. E isso o aproxima da humildade. O egoísta ao contrário só quer mais e mais.
Aquele a quem a vida basta, de que poderia carecer? São Francisco de Assis sabia desse segredo, talvez, de uma pobreza feliz. Mas a lição vale, sobretudo para nossas sociedades de abundância, nas quais se morre e se sofre com maior frequência por intemperança do que por fome.
Não é uma virtude excepcional como a coragem (tanto necessária quanto mais difíceis os tempos), mas é uma virtude comum e humilde. Virtude não de excessão mas de regra, não de heroísmo mas de comedimento. É o contrário do desregramento de todos os sentidos.
Santo Tomás viu que essa virtude, embora menos elevada que as outras ( a prudência é mais necessária, a coragem e a justiça as mais admiráveis), prevalecia muitas vezes sobre elas pela dificuldade. É que a temperança tem por objeto os desejos mais necessários à vida do indivíduo (beber, comer e fazer amor), que são os mais fortes e portanto, os mais difíceis de dominar.
Não se trata de suprimi-los - a insensibilidade é um defeito - mas no máximo controlá-los, de regrá-los, de mantê-los em equilíbrio, em harmonia ou na paz.
A temperança é uma regulação voluntária da pulsão da vida, uma afirmação sadia de nosso poder de existir, em especial do poder de nossa alma sobre os impulsos irracionais de nossos afetos, de nossos desejos, de nossos apetites.
A temperança não é um sentimento, é um poder, isto é uma virtude e tem muito de humildade.
segunda-feira, 1 de junho de 2009
- A Prudência
Para os modernos pertence mais à psicologia e ao cálculo do que à moral.
Para Max Weber é a ética da responsabilidade, a que, sem renunciar aos princípios, também se preocupa com as consequências previsíveis da ação. Uma boa intenção pode levar a catástrofes, e a pureza das intenções nunca bastou para impedir o pior.
A ética da responsabilidade quer que respondamos não apenas por nossas intenções, mas também pelas consequências de nossos atos, tanto quanto possamos prevê-las. É uma ética da prudência. É melhor mentir à Gestapo do que lhe entregar um judeu. Em nome do que? Da Prudência.
As outras virtudes sem a prudência, não poderiam mais que revestir o inferno com suas boas intenções.
A prudência é a disposição que permite deliberar corretamente sobre o que é bom ou mau para o homem em determinada situação, e agir em consequência como convier. É o que poderíamos chamar de bom senso, ou inteligência.
É nisso que a prudência condiciona todas as outras virtudes, nenhuma sem ela saberia o que se deve fazer, nem como chegar ao fim que visa.
O justo amaria a justiça sem saber como na prática, realizá-la. O corajoso não saberia o que fazer de sua coragem.
A prudência não reina, mas governa. O que seria um reino sem governo? Não basta amar a justiça para ser justo, nem amar a paz para ser pacífico, é preciso além disso, a boa deliberação, a boa decisão, a boa ação. A prudência decide e a coragem provê.
Os estóicos consideravam a prudência uma ciência das coisas a fazer ou a não fazer.
A prudência supõe a incerteza, o risco, o acaso, o desconhecido. Na verdade ela não é uma ciência, ela é o que faz as suas vezes quando a ciência falta.
Só se delibera quando se tem escolha. É necessário querer não apenas o bom fim, mas os bons meios que conduzem a ele! Não basta amar os filhos para ser bom pai, nem só querer o bem deles é preciso fazê-lo, é preciso praticá-los.
A prudência é como que uma sabedoria prática, sabedoria da ação, na ação. No entanto ela não faz as vezes de sabedoria, porque tão pouco basta agir bem para viver bem, ou ser virtuoso para ser feliz.
A sabedoria não pode prescindir da prudência. Sabedoria sem prudência seria sabedoria louca, e não seria sabedoria.
Epicuro diz o essencial: a prudência que escolhe pela "comparação e pelo exame das vantagens e desvantagens", os desejos que convém satisfazer e os meios para satisfazê-los.
Que importa o verdadeiro se não sabemos viver? Que importa a justiça se somos incapazes de agir justamente?
A prudência é como um saber viver real ( e não simplesmente aparente, como a polidez). Ocorre-nos recusar numerosos prazeres, explica Epicuro, quando devem acarretar maior desprazer ou dor. A prudência permite evitar dores piores ou obter um prazer mais vivo e duradouro. Por isso por exemplo, vamos periodicamente ao dentista, para evitar uma dor que pode ser pior se deixado para depois.
A prudência leva em conta o futuro, na medida em que depende de nós encará-lo. Virtude presente, mas previsora, antecipadora. O homem prudente é atento, não apenas ao que acontece, mas ao que pode acontecer. É atento e presta atenção. Virtude de paciência e antecipação.
Não se pode chegar sempre ao prazer pelo caminho mais curto. O real impõe sua lei, seus obstáculos, seus desvios. A prudência é a arte de levar isso tudo em conta, é o desejo lúcido e razoável. Os românticos, que preferem os sonhos, torcerão o nariz.
Os homens de ação sabem, ao contrário, que não há outro caminho, mesmo para realizar o improvável ou o excepcional.
A prudência é o que separa a ação do impulso, o herói do desmiolado. Trata-se de desfrutar o mais possível, de sofrer o menos possível, mas levando em conta as imposições e as incertezas do real. Assim, no homem, a prudência faz as vezes do que é nos animais, o instinto, e dizia Cícero, do que é nos deuses a providência.
A prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar. Ora, o perigo pertence na maioria da vezes a segunda categoria, daí a prudência (como preocupação). Todavia há riscos que é necessário correr, perigos que preciso enfrentar (prudência como virtude do risco e da decisão).
A prudência não é nem o medo nem a covardia. Sem a coragem, ela seria fraca, assim como a coragem sem a prudência seria temeridade ou loucura. Uma imprudência absoluta seria mortal.
Na polidez, a criança a princípio não diferencia o que é mau (o erro) do que faz mal (a dor, o perigo). Por isso ela não distingue a moral da prudência, ambas aliás submetidas por muito tempo, à palavra dos pais. Mas já crescemos (graças à prudência de nossos pais, depois à nossa), agora essa distinção se impõe a nós, de modo que a moral e a prudência se constituem diferenciando-se. Confundi-las seria um erro, mas sempre as opor seria outro. A prudência aconselha, notava Kant, a moral comanda. Portanto precisamos das duas solidariamente.
Por isso, dizia Aristóteles, não é possível ser homem de bem sem prudência, nem prudente sem virtude moral. Nenhuma virtude poderia prescindir da prudência. O motorista imprudente não é apenas perigoso, também é - pelo pouco caso que faz da vida alheia - moralmente condenável. Inversamente, o sexo seguro é uma sexualidade prudente, também pode ser uma disposição moral, pela atenção que manifesta com saúde do outro.
Isso pode ser encontrado em todos os domínios. O pai imprudente, diante de seus filhos, pode muito bem amá-los e querer sua felicidade. No entanto falta alguma coisa. Se ocorrer um drama, que ele poderia ter evitado, ele saberá que sem ser absolutamente responsável pelo ocorrido, também não é de todo inocente. Querer bem e amor, não bastam, é necessário ser prudente, cuidar...
Primeiro não prejudicar, depois proteger.
Prudência não impede o risco e nem sempre evita o perigo. Veja o alpinista ou o navegador, a prudência faz parte do seu ofício. O princípio do prazer o determina. O princípio de realidade o decide, e quando decide da melhor maneira possível é o que chamamos prudência.
"A prudência, dizia Santo Agostinho, " é um amor que escolhe com sagacidade". Escolhe meios de alcançá-lo ou protegê-lo. Sagacidade das mães e das amantes. Sabedoria do amor louco. Elas fazem o que se deve, como se deve, e dessa preocupação nasceu a humanidade. O amor as guia, a prudência as ilumina.
A prudência leva em conta o futuro, seria perigoso esquecê-lo. A prudência é essa paradoxal memória do futuro, essa necessária fidelidade ao futuro. Os pais sabem disso e querem preservar o futuro de seus filhos.
"Cuidado". É a máxima da prudência, e é preciso ter cuidado também com a moral, quando ela despreza seus limites ou suas incertezas. A boa vontade não é garantia nem a boa consciência uma desculpa. Em suma, a moral não basta à virtude, são necessárias também a inteligência e a lucidez.
domingo, 31 de maio de 2009
- A Fidelidade
Toda a dignidade do homem está no pensamento, todo pensamento se encontra na memória. Pensar é lembrar-se de seus pensamentos, querer é lembrar-se do que se quer.
A preocupação é pensamento do futuro. Do passado não temos mais nada a esperar. Epicuro dizia: " O esquecimento é um porto seguro".
Tudo que começa, tem inevitavelmente um fim. A inconstância é a regra. O esquecimento é a regra. O real (presente) é feito de instante a instante, é sempre novo, e essa novidade constante é o mundo.
Na verdade não esquecemos os fatos, apenas esquecemos de nos lembrar deles. É isso que os torna passado. Para que um pensamento permaneça na memória, não podemos deixar de pensar nele, caso contrário, esquecemos tal pensamento. É daí que nasce a fidelidade, da lembrança dos pensamentos.
Não se trata de ser fiel a qualquer coisa, já não seria fidelidade e sim obstinação, fanatismo, teima... É seu objeto que constitui seu valor. Não se muda de amigo como de camisa, e seria ridículo ser fiel a suas roupas e não aos amigos.
Ser fiel não desculpa tudo, ser fiel ao ruim é pior do que ser infiel. Os SS juravam fidelidade a Hitler, essa fidelidade no crime era criminosa. " Fidelidade ao mal é má fidelidade. E a fidelidade na tolice é uma tolice mais", observa Jankélévitch.
A fidelidade para ser louvável ou não, depende dos valores a que se é fiel. Ninguém dirá que ressentimento é uma virtude, embora ele permaneça fiel a seu ódio, a sua cólera. A virtude que queremos não é toda fidelidade, mas a boa fidelidade, a grande fidelidade.
Fidelidade virtuosa. Não basta lembrar-se. Pode-se esquecer sem ser infiel, e ser infiel sem esquecer.
Por que eu manteria minha promessa se hoje não sou o mesmo de ontem? Por fidelidade. O fundamento do meu ser e da minha identidade é puramente moral. Ele está na fé e fidelidade que jurei a mim mesmo.
Não sou realmente o mesmo de ontem, mas sou o mesmo unicamente porque assumo meu passado. Para se ter moral, é necessário ser fiel consigo mesmo, é aí que está a fidelidade. De outro modo não haveria deveres. Fidelidade impõe deveres.
Fidelidade é a virtude da memória, a infidelidade é sua falta (a infidelidade ocorre quando deixamos de lado - deixamos de pensar- o pensamento que nos impediria de cometer a infidelidade).
Muitas vezes lutamos contra a maré irresistível do esquecimento, que com o tempo encobre todas as coisas. Outras vezes lutamos com os protestos desesperados da memória, recomendando-nos o esquecimento.
O passado reclama nossa piedade e nossa gratidão, pois o passado não se defende sozinho, como se defendem o presente e o futuro... É este o dever da memória: piedade e gratidão pelo passado. O duro dever, o exigente dever, a obrigação de ser fiel.
Não temos de ser fieis ao que não tem valor. Ela deve dirigir-se ao que vale, e proporcionalmente ao valor do que vale. Fidelidade ao ódio não é fidelidade, mas rancor.
Fidelidade ao pensamento: Marcel Conche observa que todo pensamento correrá continuamente o risco de perder-se, se não fizermos esforço de guardá-lo. Não há pensamento sem memória, sem luta contra o esquecimento e o risco de esquecimento.
Isso significa que não há pensamento sem fidelidade. Para pensar é preciso não apenas lembrar, mas querer lembrar. A fidelidade é essa vontade.
Ser fiel a suas ideias, é não apenas lembrar-se de que as teve, mas querer conservá-las vivas (querer lembrar-se não apenas de que as teve, mas de que as tem).
Fidelidade a verdade, antes de mais nada! É nisso que a fidelidade se distingue da fé, do fanatismo. Ser fiel, para o pensamento, não é recusar-se a mudar de ideia (dogmatismo), nem submeter suas ideias a outra coisa que não a elas mesmas (fé), nem considerá-las como absolutos (fanatismo); é recusar-se a mudar de ideia sem boas e fortes razões.
Nem dogmatismo nem inconstância. Tem-se o direito de mudar de ideia, mas apenas quando é um dever. Fidelidade à verdade antes de mais nada.
Fidelidade à moral: Faz parte da sua essência que ela tem algo a ver com fidelidade. Para Kant a fidelidade é um dever - entre amigos ou esposos - mas o dever não poderia ser reduzido à fidelidade. A fidelidade está subordinada à lei moral.
A moral começa pela polidez e continua mudando de natureza, pela fidelidade. Fazemos primeiro o que faz, depois impondo-nos o que se deve fazer. Primeiro respeitamos as boas maneiras, depois as boas ações. Os bons costumes, depois a própria bondade.
Fidelidade ao amor recebido, a confiança manifestada, à lei, o amor da mãe, o amor do pai...
O dever, a proibição o remorso, a satisfação de ter agido corretamente, a vontade de fazer direito, o respeito ao outro... tudo isso depende no mais auto grau da educação, como dizia Spinoza. É apenas moral, e a moral não é tudo, não é essencial, o amor e a verdade importam mais.
A fidelidade está no princípio de toda moral, ela é o contrário da derrubada de todos os valores. Todas as barbáries deste século foram desencadeadas em nome do futuro. Toda moral, como toda cultura vem do passado. Não há moral que não seja fiel.
Fidelidade do casal: Que há casais fiéis e outros não, é uma verdade. Se entendemos por fidelidade nesse sentido restrito, o uso exclusivo e mutuamente exclusivo, do corpo do outro. Por que só amaríamos uma pessoa? Por que só desejaríamos uma pessoa? Ser fiel a suas ideias não é ter uma só ideia; nem ser fiel em amizade supõe que tenhamos um só amigo. Fidelidade nesses domínios, não é exclusividade. Por que deveria ser diferente no amor? Em nome do que poderíamos pretender o desfrute exclusivo do outro? É possível que isso seja mais cômodo ou mais seguro, mais fácil de viver talvez, ou mais feliz, e enquanto houver amor, pode ser.
Cabe a cada casal escolher, de acordo com sua força ou suas fraquezas. A verdade é mais importante que a exclusividade.
Há casais livres que são fieis, à sua maneira (fieis ao seu amor, fiéis à sua palavra, à sua liberdade comum) E tantos outros, estritamente fiéis, tristemente fiéis, em que cada um dos dois preferiria não o ser.
Não fazer sofre é uma coisa, não trair é outra, e é o que se chama fidelidade.
O essencial é saber o que faz com que cada casal seja um casal. O simples encontro sexual, por mais repetido que seja, não bastaria evidentemente para tanto. Mas também não a simples coabitação, por mais duradoura que seja.
O casal nesse sentido, supõe portanto a fidelidade, pois o amor só dura sob a condição de prolongar a paixão por memória e vontade. É o que significa o casamento sem dúvida, e que o divórcio vem interromper.
Continuar sendo fiel após a separação, é ser fiel ao que viveram juntos, a história que construíram, ao amor que sentiram. Não querer renegar tudo. Nem um casal poderia durar sem essa fidelidade em cada um, à sua história comum, sem esse misto de confiança e de gratidão pelo qual os casais felizes (há alguns) se tornam tão comoventes ao envelhecer, mais até que namorados principiantes, que não fazem mais que sonhar seu amor.
Essa fidelidade é essencial ao casal. Que o amor se aplaque ou se decline é sempre o mais provável, e é bobagem se afligir com isso. Mas quer se separe ou continue a viver junto, o casal só será casal por fidelidade ao amor recebido e dado, ao amor partilhado e à lembrança voluntária e reconhecida desse amor.
A fidelidade é o amor conservado ao que aconteceu, o amor ao amor, amor ao presente (e voluntário e voluntariamente conservado), ao amor passado. Fidelidade é amor fiel, e fiel antes de mais nada ao amor.
Como eu poderia jurar que sempre te amarei ou que não amarei outra pessoa? Quem pode jurar esses sentimentos? E para que, quando não há mais amor, manter a ficção, os encargos ou as exigências do amor? Mas isso não é motivo para renegar ou não reconhecer o que houve.
Por que precisaríamos, para amar o presente, trair o passado? " Eu não juro que sempre te amarei, mas que sempre permanecerei fiel a esse nosso amor". Como? Não me esquecendo desse amor que vivemos.
O amor infiel não é o amor livre, é o amor esquecidiço, o amor renegado, o amor que esquece ou detesta o que amou e que portanto, se esquece ou se detesta. Mas será isso ainda amor?
" Ama-me enquanto desejares, meu amor, mas não nos esqueça".
sábado, 30 de maio de 2009
- A Polidez
A polidez é a primeira virtude e quem sabe, a origem de todas.
Ela pode encobrir tanto o melhor como o pior, por isso é um valor ambíguo.
A polidez faz pouco caso da moral e a moral da polidez. Um nazista polido em que altera o nazismo? Em que altera o horror? Em nada.
A polidez é um artifício, um enfeite e pode ocultar alguma coisa. " A polidez insultante dos grandes" e a "polidez obsequiosa ou servil de muitos pequenos." Seriam preferíveis o desprezo sem frases e a obediência sem mesuras.
Há pior. Um canalha polido não é menos ignóbil que outro, o bruto, o grosseiro, talvez seja até mais. O canalha polido poderia ser cínico, sem por isso faltar nem com a polidez nem com a maldade.
A polidez torna o mau mais odiável porque denota nele uma educação sem a qual sua maldade, de certa forma, seria desculpável. O canalha polido é o contrário de um bruto, inculto, grosseiro, mas cuja violência poderia ser explicada pela incultura. O canalha polido não é um selvagem, não é grosseiro, ao contrário, é civilizado, educado, e com isso, dizer-se ia, não tem desculpa. Quem pode saber se o grosseirão agrevisso é mau ou simplesmente mal-educado?
Pelo que se relata, os nazistas, pelo menos alguns deles, distinguiam-se nesse papel, nessa mistura de barbárie e civilização, de violência e civilidade, nessa crueldade ora polida, ora bestial, mas sempre cruel, e mais culpada talvez por ser polida, mais bárbara por ser civilizada.
Um ser grosseiro, podemos acusar seu lado animal, a ignorância, a incultura, por a culpa numa infância devastada ou no fracasso de uma sociedade. Um ser polido não. A polidez é nesse sentido, como que uma circunstância agravante, que acusa diretamente o homem, a sociedade, não em seus fracassos que poderiam servir de desculpa, mas em seus sucessos.
Diante da polidez, o importante é não se deixar enganar. A polidez não é uma virtude e por que dizer então que é a primeira e talvez a origem de todas?
Falo segundo a ordem do tempo. O recém-nascido não tem moral, nem pode ter. Tão pouco o bebê, e por um bom tempo a criança. O que essa descobre em compensação, e bem cedo, são as proibições. "Não faça isso: é sujo, é ruim, é feio, é maldade"... Ou: " É perigoso", e a criança logo saberá diferenciar entre o que é mau (o erro) e o que faz mal (o perigo).
Há o que é permitido e o que é proibido, o que se faz e o que não se faz. Bem? Mal? A regra basta. Regra do uso e do respeito aos usos. Regra puramente formal, regra de polidez! Não dizer palavrões, não roubar, não mentir... Essas proibições se apresentam identicamente para a criança (é feio). A distinção entre o ético e o que é estético só virá mais tarde, e progressivamente. Portanto a polidez é anterior à moral. Regra de submissão ao mundo e às maneiras do mundo.
Kant: " O homem só pode se tornar homem pela educação. Ele é apenas o que a educação faz dele, e é a disciplina que primeiro transforma a animalidade em humanidade". O uso é anterior ao valor, a obediência ao respeito, e a imitação ao dever. A polidez, por conseguinte ("isso não se faz"), é anterior à moral ("isso não se deve fazer").
A moral é como uma polidez da alma, um saber viver de si para consigo. Uma etiqueta de vida interior, um código de nossos deveres, um cerimonial do essencial. Inversamente, a polidez é como uma moral do corpo, uma ética do comportamento, um código da vida social.
A moral começa pois, no ponto mais baixo - pela polidez. Nem uma virtude é natural, logo é preciso tornar-se virtuoso. Só aprendemos quando fazemos. " É praticando as ações justas que nos tornamos justos", dizia Aristóteles, " praticando ações corajosas que nos tornamos corajosos, é praticando ações moderadas que nos tornamos moderados".
É através dos exemplos dos adultos que as crianças aprendem. É assim que uma geração educa a outra. O que é essa disciplina na família, senão, antes de tudo, o respeito dos usos e das boas maneiras? Disciplina não de polícia, mas de polidez.
A polidez nem sempre inspira a bondade, a complacência, a gratidão; pelo menos da uma aparência disso e faz o homem parecer por fora como deveria ser por dentro" (La Bruyère). Por isso ela é insuficiente no adulto e necessária na criança. É apenas um começo, mas o é. Dizer "por favor", "obrigado", ou "desculpa" é simular reconhecimento. É aí que começam o respeito e o reconhecimento. Como a natureza imita a arte, assim a moral imita a polidez. É inútil falar de dever com crianças. Mas quem renunciaria, por isso, a lhes ensinar a polidez?
E que teríamos aprendido sem ela, sobre nossos deveres?
Trata-se primeiro de assumir "os modos do bem", não claro, para contentar-se com eles, mas para alcançar por meio deles o que eles imitam - a virtude. A polidez é essa aparência de virtude.
Entre um homem perfeitamente polido e um homem simplesmente benevolente, respeitador, modesto... as diferenças podem ser ínfimas: acabamos parecendo com o que imitamos, e a polidez levava pouco a pouco - ou pode levar - à moral. Todos os pais sabem disso, e é o que chamam educar seus filhos.
A polidez não é tudo nem o essencial. No entanto, o fato é que ser bem-educado, na linguagem corrente, é antes de tudo ser polido. Repreender os filhos por dizerem "por favor", "obrigado", "desculpa", é coisa que nenhum de nós faria. Respeito se aprende assim com treinamento.
O amor não basta para educar os filhos, nem mesmo para torná-los amáveis e amantes. A polidez também não basta, é por isso que um e outro são necessários. Toda educação familiar situa-se aí. Portanto a polidez não é uma virtude, mas como que uma simulação que a imita (nos adultos) ou que a prepara (nas crianças). Assim ela muda com a idade. Essencial durante a infância, necessária na idade adulta. O que há de pior do que uma criança mal-educada ou um adulto ruim?
Um grosseirão generoso sempre será melhor do que um egoísta polido; um homem honesto descortês melhor do que um crápula refinado.
A polidez se levada por demais a sério, é o contrário da autenticidade. Os certinhos são como crianças grandes bem comportadas demais, prisioneiras das regras, enganadas quanto aos usos e às conveniências. Faltou-lhes a adolescência, graças à qual nos tornamos homem ou mulher - a adolescência que remete a polidez ao irrisório que lhe é próprio, a adolescência que está pouco ligando para os usos, a adolescência que só ama o amor, a verdade.
Adultos eles serão mais indulgentes, generosos e mais sensatos. Mas enfim, se é necessário escolher a imaturidade por imaturidade, é melhor moralmente falando, um adolescente prolongado do que uma criança obediente demais para crescer.
A polidez é uma pequena coisa que prepara grandes coisas. Ela é uma qualidade apenas formal. Que seres inteligentes e virtuosos não a dispensem pois o homem sem ela, é quase um animal.É imitando as virtudes que nos tornamos virtuosos.