sábado, 30 de maio de 2009

- A Polidez

A polidez é a primeira virtude e quem sabe, a origem de todas.
Ela pode encobrir tanto o melhor como o pior, por isso é um valor ambíguo.
A polidez faz pouco caso da moral e a moral da polidez. Um nazista polido em que altera o nazismo? Em que altera o horror? Em nada.

A polidez é um artifício, um enfeite e pode ocultar alguma coisa. " A polidez insultante dos grandes" e a "polidez obsequiosa ou servil de muitos pequenos." Seriam preferíveis o desprezo sem frases e a obediência sem mesuras.
Há pior. Um canalha polido não é menos ignóbil que outro, o bruto, o grosseiro, talvez seja até mais. O canalha polido poderia ser cínico, sem por isso faltar nem com a polidez nem com a maldade.

A polidez torna o mau mais odiável porque denota nele uma educação sem a qual sua maldade, de certa forma, seria desculpável. O canalha polido é o contrário de um bruto, inculto, grosseiro, mas cuja violência poderia ser explicada pela incultura. O canalha polido não é um selvagem, não é grosseiro, ao contrário, é civilizado, educado, e com isso, dizer-se ia, não tem desculpa. Quem pode saber se o grosseirão agrevisso é mau ou simplesmente mal-educado?

Pelo que se relata, os nazistas, pelo menos alguns deles, distinguiam-se nesse papel, nessa mistura de barbárie e civilização, de violência e civilidade, nessa crueldade ora polida, ora bestial, mas sempre cruel, e mais culpada talvez por ser polida, mais bárbara por ser civilizada.

Um ser grosseiro, podemos acusar seu lado animal, a ignorância, a incultura, por a culpa numa infância devastada ou no fracasso de uma sociedade. Um ser polido não. A polidez é nesse sentido, como que uma circunstância agravante, que acusa diretamente o homem, a sociedade, não em seus fracassos que poderiam servir de desculpa, mas em seus sucessos.

Diante da polidez, o importante é não se deixar enganar. A polidez não é uma virtude e por que dizer então que é a primeira e talvez a origem de todas?
Falo segundo a ordem do tempo. O recém-nascido não tem moral, nem pode ter. Tão pouco o bebê, e por um bom tempo a criança. O que essa descobre em compensação, e bem cedo, são as proibições. "Não faça isso: é sujo, é ruim, é feio, é maldade"... Ou: " É perigoso", e a criança logo saberá diferenciar entre o que é mau (o erro) e o que faz mal (o perigo).

Há o que é permitido e o que é proibido, o que se faz e o que não se faz. Bem? Mal? A regra basta. Regra do uso e do respeito aos usos. Regra puramente formal, regra de polidez! Não dizer palavrões, não roubar, não mentir... Essas proibições se apresentam identicamente para a criança (é feio). A distinção entre o ético e o que é estético só virá mais tarde, e progressivamente. Portanto a polidez é anterior à moral. Regra de submissão ao mundo e às maneiras do mundo.

Kant: " O homem só pode se tornar homem pela educação. Ele é apenas o que a educação faz dele, e é a disciplina que primeiro transforma a animalidade em humanidade". O uso é anterior ao valor, a obediência ao respeito, e a imitação ao dever. A polidez, por conseguinte ("isso não se faz"), é anterior à moral ("isso não se deve fazer").

A moral é como uma polidez da alma, um saber viver de si para consigo. Uma etiqueta de vida interior, um código de nossos deveres, um cerimonial do essencial. Inversamente, a polidez é como uma moral do corpo, uma ética do comportamento, um código da vida social.

A moral começa pois, no ponto mais baixo - pela polidez. Nem uma virtude é natural, logo é preciso tornar-se virtuoso. Só aprendemos quando fazemos. " É praticando as ações justas que nos tornamos justos", dizia Aristóteles, " praticando ações corajosas que nos tornamos corajosos, é praticando ações moderadas que nos tornamos moderados".

É através dos exemplos dos adultos que as crianças aprendem. É assim que uma geração educa a outra. O que é essa disciplina na família, senão, antes de tudo, o respeito dos usos e das boas maneiras? Disciplina não de polícia, mas de polidez.

A polidez nem sempre inspira a bondade, a complacência, a gratidão; pelo menos da uma aparência disso e faz o homem parecer por fora como deveria ser por dentro" (La Bruyère). Por isso ela é insuficiente no adulto e necessária na criança. É apenas um começo, mas o é. Dizer "por favor", "obrigado", ou "desculpa" é simular reconhecimento. É aí que começam o respeito e o reconhecimento. Como a natureza imita a arte, assim a moral imita a polidez. É inútil falar de dever com crianças. Mas quem renunciaria, por isso, a lhes ensinar a polidez?

E que teríamos aprendido sem ela, sobre nossos deveres?
Trata-se primeiro de assumir "os modos do bem", não claro, para contentar-se com eles, mas para alcançar por meio deles o que eles imitam - a virtude. A polidez é essa aparência de virtude.

Entre um homem perfeitamente polido e um homem simplesmente benevolente, respeitador, modesto... as diferenças podem ser ínfimas: acabamos parecendo com o que imitamos, e a polidez levava pouco a pouco - ou pode levar - à moral. Todos os pais sabem disso, e é o que chamam educar seus filhos.

A polidez não é tudo nem o essencial. No entanto, o fato é que ser bem-educado, na linguagem corrente, é antes de tudo ser polido. Repreender os filhos por dizerem "por favor", "obrigado", "desculpa", é coisa que nenhum de nós faria. Respeito se aprende assim com treinamento.

O amor não basta para educar os filhos, nem mesmo para torná-los amáveis e amantes. A polidez também não basta, é por isso que um e outro são necessários. Toda educação familiar situa-se aí. Portanto a polidez não é uma virtude, mas como que uma simulação que a imita (nos adultos) ou que a prepara (nas crianças). Assim ela muda com a idade. Essencial durante a infância, necessária na idade adulta. O que há de pior do que uma criança mal-educada ou um adulto ruim?

Um grosseirão generoso sempre será melhor do que um egoísta polido; um homem honesto descortês melhor do que um crápula refinado.

A polidez se levada por demais a sério, é o contrário da autenticidade. Os certinhos são como crianças grandes bem comportadas demais, prisioneiras das regras, enganadas quanto aos usos e às conveniências. Faltou-lhes a adolescência, graças à qual nos tornamos homem ou mulher - a adolescência que remete a polidez ao irrisório que lhe é próprio, a adolescência que está pouco ligando para os usos, a adolescência que só ama o amor, a verdade.

Adultos eles serão mais indulgentes, generosos e mais sensatos. Mas enfim, se é necessário escolher a imaturidade por imaturidade, é melhor moralmente falando, um adolescente prolongado do que uma criança obediente demais para crescer.

A polidez é uma pequena coisa que prepara grandes coisas. Ela é uma qualidade apenas formal. Que seres inteligentes e virtuosos não a dispensem pois o homem sem ela, é quase um animal.
É imitando as virtudes que nos tornamos virtuosos.

2 comentários:

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