sábado, 30 de maio de 2009

- O Humor

Que ele seja uma virtude poderá surpreender. Mas é que toda a seriedade é condenável, referindo-se a nós mesmos. O humor nos preserva dela, além do prazer que sentimos com ele.
É impolido dar-se ares de importância.

Não ter humor é não ter humildade, é não ter lucidez, é não ter leveza, é ser demasiado cheio de si, é quase sempre carecer de generosidade, de doçura, de misericórdia...
Porém não exageramos a importância do humor. Um canalha pode ter humor; um herói pode não ter. Um irresponsável pode ter; um responsável pode não ter. Mas isso não prova nada contra o humor.

Humor não é sinônimo de irresponsabilidade, infantilidade, alheamento ... ou falta de bom senso, pelo contrário, no humor sempre tem que haver bom senso, caso contrário, cai no ridículo, no vulgar, na idiotice.

É uma virtude engraçada em certo sentido, pois caçoa da moral, mas é uma grande qualidade que pode faltar a um homem de bem, sem que isso atinja a estima que temos por ele, inclusive a estima moral.
O humor não impede a seriedade, ou nossos compromissos, nossas responsabilidades, até mesmo no que diz respeito à condução de nossa própria existência. Mas impede de nos iludirmos ou de ficarmos demasiado satisfeitos.

Que valeria o amor sem alegria? Que valeria a alegria sem o humor? Tudo que não é trágico é irrisório. Eis o que a lucidez ensina. E o humor acrescenta, num sorriso, que não é trágico... Verdade do humor. A situação é desesperadora, mas não é grave.

Por certo não faltam motivos para rir ou chorar. Mas qual é a melhor atitude? Riso ou lágrimas, riso e lágrimas. Nós oscilamos entre esses dois pólos, uns pendendo mais para isso, outros mais para aquilo... Melancolia ou alegria?

Mas há rir e rir, e cumpre distinguir aqui o HUMOR da IRONIA.
A ironia não é uma virtude, é uma arma - voltada quase sempre contra alguém. É o riso mau, sarcástico, destruidor, o riso da zombaria, o riso que fere, que pode matar. É o riso do ódio, é o riso do combate. Quantos não usam essa arma? Útil? Como não, quando necessário! Que arma não o é? Algumas vezes se combate a ironia com ironia. Mas nem uma arma é a paz, nenhuma ironia é humor.

A linguagem pode enganar. Os humoristas não passam de ironistas, de satiristas - e por certo, são necessários. Mas os melhores misturam os dois gêneros: mais ironista quando fala da direita, mais humorista quando fala da esquerda, puro humorista quando fala de si mesmo e de nós todos.

A ironia é um riso que se leva a sério, um riso que zomba, mas não de si, é um riso que goza da cara dos outros. A ironia despreza, acusa, condena, desconfia do outro. A ironia ri do outro, o humor ri de si, ou do outro, mas si incluindo.
Não que o humorista não leve nada a sério (humor não é frivolidade), simplesmente ele recusa levar a sério a si mesmo, sua angústia. A ironia procura fazer-se valer, o humor, abolir-se.

Não há orgulho sem seriedade, o humor quebra a seriedade. É isso que é essencial ao humor, ser reflexivo, ou pelo menos englobar-se no riso que ele acarreta ou no sorriso mesmo amargo que ele suscita. É questão de estado de espírito. A mesma brincadeira pode mudar de natureza segundo a disposição de quem enuncia: o que será ironia em um, poderá ser humor no outro. Aristófanes faz ironia em As nuvens, quando zomba de Sócrates. Mas Sócrates (grande ironista) dá prova de humor quando assistindo a apresentação, ri gostosamente com os outros.
Mas o tom e o contexto podem mudar o sentido da brincadeira. Assim quando Groucho Marx declara: "Tive uma noitada excelente, mas não foi esta." Se ele diz isso à dona da casa, depois de uma noitada malograda, é ironia. Se diz ao público, no fim de um de seus espetáculos, será humor.

Podemos gracejar de tudo: sobre fracasso, guerra, morte, amor, doença...Mas é preciso que esse riso acrescente um pouco de alegria, um pouco de doçura ou de leveza à miséria do mundo, e não mais sofrimento, desprezo. Podemos rir de tudo, mas não de qualquer maneira. Uma piada de judeu nunca será humorística na boca de um anti-semita.

O riso não é tudo e não desculpa nada. Tratando-se de males que não podemos impedir ou combater, seria condenável gracejar. O humor não substitui a ação e a insensibilidade diante do sofrimento dos outros, é uma falta. Assim como é condenável levar demasiado a sério seus próprios bons sentimentos, suas próprias angústias... Lucidez começa por si mesmo. Daí o humor, que pode fazer rir de tudo contanto que ria primeiro de si mesmo.

"A única coisa que lamento, é não ser outra pessoa", diz Woody Allen. Mas com isso, ele também o aceita. O humor é uma conduta de luto - trata-se de aceitar aquilo que nos faz sofrer - (conseguir superar seu sofrimento e ainda brincar com ele). A ironia fere, o humor cura. a ironia pode matar, o humor ajuda a viver. A ironia quer dominar, o humor liberta. A ironia é implacável, o humor é misericordioso. A ironia é humilhante, o humor é humilde.

O humor transmuta a tristeza em alegria, ele desarma a seriedade. Rir de si primeiro, mas sem ódio. Ou de tudo, mas apenas enquanto se inclui nesse tudo e se o aceita. A ironia diz não (muitas vezes fingindo dizer sim). O humor diz sim, sim apesar de tudo, sim apesar dos pesares. Duplicidade, quase sempre na ironia ( não há ironia sem simulação, sem uma parte de má-fé); quase nunca no humor.
É Pierre Desproges anunciando seu câncer: " Mais canceroso que eu, você morre! " É Woody Allen encenando suas angústias seus fracassos... É a eterna tríplice questão e sem resposta eternamente: " Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?" , respondo: " No que me diz respeito, eu sou eu, venho da minha casa e volto para ela."

Famosa fórmula de Spinoza: " Não ridicularizar, não deplorar, não amaldiçoar, mas compreender." Sim, mas e se não houver nada a compreender? Resta rir, não contra mas de, com (humor).

"Humor, triunfo do narcisismo", escreve Freud, que o ego se afirma vitoriosamente e acaba desfrutando exatamente daquilo que o ofende e que ele supera. " Triunfo do prazer, mas que só é possível desde que se aceite, que seja para rir da realidade como é ", diz ainda Freud.
É como aquele condenado à morte que levam à forca numa segunda-feira e que exclama: " A semana está começando bem!" Há coragem no humor, grandeza, generosidade. Com ele o eu é como que libertado de si mesmo.

A ironia que sempre rebaixa, nunca é sublime, nunca é generosa. É uma manifestação de avareza. " Uma crispação da inteligência, que prefere cerrar os dentes a soltar uma só palavra de elogio", segundo Bobin. O humor ao contrário é uma manifestação de generosidade: sorrir daquilo que amamos é amá-lo melhor. A ironia ao contrário, sabe apenas odiar, criticar, desprezar, zombar.

Humor é amor, ironia é desprezo. Em todo caso, não há humor sem um mínimo de simpatia, justamente por sempre conter uma dor oculta. O humor também comporta uma simpatia de que a ironia é desprovida... Simpatia na dor, simpatia na fragilidade, na angústia, na vaidade... o humor tem a ver com o absurdo, com o nonsense. Não claro que uma afirmação absurda seja sempre engraçada, só podemos rir, ao contrário, do sentindo das coisas. O humor está entre o sentido e o disparate.

O humor não é nem a seriedade (para a qual tudo faz sentido), nem a frivolidade (para a qual nada tem sentido). Mas é um meio-termo instável, ou equívoco, ou contraditório, que desvenda o que há de frívolo em toda a seriedade, e de sério em toda frivolidade. O homem de humor, diria Aristóteles, ri como se deve (nem mais nem menos), quando se deve e do que se deve.

O humor é uma desilusão alegre, desilusão tem a ver com lucidez, como alegria tem a ver com amor e com tudo.

O espírito zomba de tudo. Quando zomba do que detesta e despreza é ironia. Quando zomba do que ama ou estima é humor. O que mais amo, mais estimo facilmente? Eu mesmo. Isso diz tudo sobre a grandeza do humor e sobre sua raridade.

Um comentário:

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