quarta-feira, 3 de junho de 2009

- A Coragem

De todas as virtudes, é a mais admirada. Em toda parte a covardia é desprezada e a bravura admirada. É uma qualidade comum aos grandes homens.
Coragem é a capacidade de superar o medo. Covardia é se entregar ao medo. Mas ela pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Maldade corajosa é maldade, fanatismo corajoso é fanatismo.

A inteligência e a força, também são admiradas, também são ambíguas, servem tanto ao bem quanto ao mal. E existe a coragem dos heróis e a coragem do mal, em praticar a maldade.

Um exemplo: dois terroristas que explodem cada um um avião cheio de turistas. Como não desprezar mais o que faz isso de terra, sem correr nem um risco, do que o que fica no avião e morre? Os dois atentados são moralmente condenáveis. Mas um dos terroristas acrescenta a isso a covardia, e o outro a coragem. Em que isso altera as coisas? Nada para os passageiros. Mas o terrorista heróico, mostra com seu sacrifício a sinceridade de suas motivações. Uma alusão a essa coragem é que o sentimento por ele seria atenuado. Já não é mais uma pessoa pronta a sacrificar vítimas inocentes para sua própria felicidade. Já o covarde sacrifica inocentes sem se sacrificar.

O que estimamos na coragem é o sacrifício de si, é aceitar correr o risco, sem motivação egoísta. Alguém te agride na rua, te impedindo de se retirar. Você vai se defender ou pedir clemência? É uma questão de estratégia (pode evitar a morte), ou de temperamento (aumentar o risco de morte, pois seria uma imprudência).
Por outro lado você ouve uma mulher pedir socorro...você dará ou não prova de coragem?

A coragem é mais estimada do ponto de vista moral, quando se põe a serviço do outro, ou de uma causa. Como traço de caráter, a coragem é uma fraca sensibilidade ao medo, seja por ele ser pouco sentido, seja por ser bem suportado. É a coragem dos brigões, dos durões, e virtude pode não ter nada a ver com ela.

A coragem força o respeito, pelo fato de que a coragem manifesta uma disposição para enfrentar os temores, ou seja, o domínio de si e de seu medo. Essa primeira coragem física ou psicológica, ainda não é uma virtude, os antigos consideravam-na a marca da virilidade. E muitos ainda hoje concordam com eles. Mas uma mulher pode dar prova dela também. E essa coragem pode pertencer tanto ao patife como ao homem de bem. Coragem patológica, útil na maioria das vezes, mas útil antes de qualquer coisa a quem a sente. Um assalto a banco não acontece sem perigo e coragem, mas nem por isso é moral.

Como virtude, a coragem é desinteressada, é generosa. Ela não exclui uma certa insensibilidade ao medo ou a ausência dele, mas é por uma vontade mais forte, que se faz capaz de superá-lo quando ele existe. É a força da alma diante do perigo. É a coragem dos heróis (virtude), e não a coragem dos valentões, dos durões.

As outras virtudes sem a coragem seriam vãs. O justo sem a prudência, não saberia combater a injustiça, mas sem a coragem, não ousaria empenhar-se nesse combate. Na verdade, qualquer virtude é coragem, pois sem coragem não se é virtuoso. Agir de maneira firme e inabalável, é ter força de alma, é ter coragem. É a coragem que faz enfrentar os perigos e suportar os sofrimentos.

Coragem é o contrário de covardia, preguiça, frouxidão. O perigo não é o trabalho, o medo não é o cansaço. Mas é preciso superar os dois, pois o primeiro impulso prefere o repolso ou a fuga.
Podemos mostrar coragem diante de um perigo ilusório, e ela pode nos faltar diante de um perigo real.A coragem não é ausência de medo, é a capacidade de enfrentá-lo, de dominá-lo, de superá-lo.

É preciso coragem para pensar às vezes (assuntos que evitamos pensar), como é preciso coragem para sofrer ou lutar, porque ninguém pode pensar em nosso lugar, nem sofrer em nosso lugar, muito menos lutar por nossas necessidades ou desejos. Porque só a vontade não basta, é necessário ainda superar em si tudo o que estremece ou resiste, ou entristece, tudo que preferiria a ilusão ou uma mentira, que seria mais fácil. Essa é a chamada "coragem intelectual", que é a recusa ao medo, que é a recusa a ilusão e que é a busca pela verdade. Coragem intelectual ou se preferir, "lucidez".

Por isso é preciso coragem, coragem para durar e aguentar, coragem para viver e para morrer, coragem para enfrentar, coragem para perseverar. "Coragem de alma", como dizia Spinoza, que é o esforço para conservar-se sob a razão.

Toda coragem é feita de vontade. É preciso coragem para continuar ou manter. Continuar, na verdade é recomeçar sempre, apesar do cansaço, do medo, e por isso sempre difícil. É preciso pois, sair do medo pela coragem.
A coragem triunfa sobre o medo, ou pelo menos tenta triunfar, e esse tentar é ter coragem. Um homem de alma forte, esforça para agir bem, esse esforço é a coragem.

Como toda virtude, a coragem só existe no presente. Ter tido coragem não prova que se terá, nem mesmo que se tem. O passado é conhecido e, por isso mais significativo, enquanto o futuro é apenas fé ou esperança, ou seja, uma imaginação. Querer fazer uma doação amanhã ou outro dia, não é ser generoso. Querer ser corajoso semana que vem, não é ter coragem. Trata-se apenas de projetos, querer sonhar, são virtudes imaginárias.

Coragem é a intenção do ato, agora, já. Se é o futuro que tememos, é no presente que temos que suportar esse medo, é a realidade atual do sofrimento, do infortúnio ou da angústia que temos que enfrentar e sobreviver à eles. O canceroso em fase terminal, precisa ter coragem não só para o futuro (que é de mais sofrimento, mais dor e a própria morte), como precisa de coragem agora, para suportar seu sofrimento.

É preciso ter coragem ainda para suportar uma deficiência, para assumir um fracasso ou um erro, ter coragem nesse momento, enquanto dura essa tristeza e, no futuro, que vai ser a continuação desse presente. O cego precisa de maior coragem do que aquele que enxerga bem, e não apenas porque a vida para ele é mais perigosa.

Na medida em que o sofrimento é maior que o medo, é necessário maior coragem para suportá-lo. A tortura é um sofrimento extremo, e a morte é um medo extremo. O medo da tortura e da morte, ambas iminentes. É preciso mais coragem para resistir à tortura do que a sua ameaça. E quem não preferiria suicidar-se, apesar do medo, a sofrer a esse ponto? Quantos não o fizeram? Quantos lamentaram não ter meios para fazê-lo?
É preciso ter coragem para suicidar-se, mas é menos do que resistir à tortura. Porque a morte seria livra-se do sofrimento, enquanto que a tortura seria continuar no sofrimento, no horror que se prolonga.

Em resumo, a coragem não se refere apenas ao futuro, ao medo, à ameaça, refere-se também ao presente, e sempre depende mais da vontade do que da esperança.
Por isso a esperança é uma virtude dos crentes, enquanto a coragem é para qualquer homem. Basta querê-lo, basta sê-lo.

Descartes: " É nos casos mais desesperados e mais perigosos que se empregam mais ousadia e coragem". O herói diante da morte, pode esperar a glória ou a vitória. Mas essa esperança não é objeto de sua coragem. Essa esperança reforça ou sustenta a sua coragem.

que a esperança sustenta a coragem, é necessário ser corajo sobretudo na falta dela, e o verdadeiro herói é aquele que é capaz de enfrentar o risco da morte ou a certeza dela. É a coragem dos vencidos e nem por isso é menor ou menos meritória do que as dos vencedores.

As pessoas verdadeiramente corajosas, só agem impelidas pelo bem, pelo sentimento de honra, escrevia Aristóteles. Segundo ele, a coragem mais elevada é a sem esperança.
A vida nos ensina que é preciso coragem para suportar o desespero, e que às vezes o desespero pode dar coragem. Quando não há mais nada a esperar, não há mais nada a temer, eis toda a coragem disponível.

Rabelais dizia: "Nunca se deve por o inimigo em desespero, porque nessa situação, sua força multiplica e aumenta sua coragem. Pode temer tudo de quem nada teme". E o que temeriam se não tem mais nada há esperar?

É necessário avaliar os riscos que se correm ao fim que se destinam. É bonito arriscar a vida por uma causa nobre, mas insensato fazer por pouca coisa ou pelo fascínio pelo perigo. É o que distingue o corajoso do temerário. O covarde é submisso demais a seu medo, o temerário despreocupado demais com sua vida ou com o perigo.

A ousadia só é virtuosa se temperada pela prudência. A virtude de um homem se revela tão grande quando ele evita os perigos, como também quando os supera. Ele escolhe com a mesma firmeza de alma, ou presença de espírito, a fuga ou o combate. Para todo homem há o que ele pode ou não pode suportar. O fato de encontrar ou não, antes da morte, o que vai abatê-lo, é questão de sorte, tanto quanto de mérito. Os heróis sabem disso quando são lúcidos.

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