segunda-feira, 1 de junho de 2009

- A Prudência

A polidez é a origem das virtudes, a fidelidade seu princípio, a prudência sua condição.
Para os modernos pertence mais à psicologia e ao cálculo do que à moral.

Para Max Weber é a ética da responsabilidade, a que, sem renunciar aos princípios, também se preocupa com as consequências previsíveis da ação. Uma boa intenção pode levar a catástrofes, e a pureza das intenções nunca bastou para impedir o pior.
A ética da responsabilidade quer que respondamos não apenas por nossas intenções, mas também pelas consequências de nossos atos, tanto quanto possamos prevê-las. É uma ética da prudência. É melhor mentir à Gestapo do que lhe entregar um judeu. Em nome do que? Da Prudência.
As outras virtudes sem a prudência, não poderiam mais que revestir o inferno com suas boas intenções.

A prudência é a disposição que permite deliberar corretamente sobre o que é bom ou mau para o homem em determinada situação, e agir em consequência como convier. É o que poderíamos chamar de bom senso, ou inteligência.
É nisso que a prudência condiciona todas as outras virtudes, nenhuma sem ela saberia o que se deve fazer, nem como chegar ao fim que visa.
O justo amaria a justiça sem saber como na prática, realizá-la. O corajoso não saberia o que fazer de sua coragem.

A prudência não reina, mas governa. O que seria um reino sem governo? Não basta amar a justiça para ser justo, nem amar a paz para ser pacífico, é preciso além disso, a boa deliberação, a boa decisão, a boa ação. A prudência decide e a coragem provê.

Os estóicos consideravam a prudência uma ciência das coisas a fazer ou a não fazer.
A prudência supõe a incerteza, o risco, o acaso, o desconhecido. Na verdade ela não é uma ciência, ela é o que faz as suas vezes quando a ciência falta.
Só se delibera quando se tem escolha. É necessário querer não apenas o bom fim, mas os bons meios que conduzem a ele! Não basta amar os filhos para ser bom pai, nem só querer o bem deles é preciso fazê-lo, é preciso praticá-los.

A prudência é como que uma sabedoria prática, sabedoria da ação, na ação. No entanto ela não faz as vezes de sabedoria, porque tão pouco basta agir bem para viver bem, ou ser virtuoso para ser feliz.
A sabedoria não pode prescindir da prudência. Sabedoria sem prudência seria sabedoria louca, e não seria sabedoria.

Epicuro diz o essencial: a prudência que escolhe pela "comparação e pelo exame das vantagens e desvantagens", os desejos que convém satisfazer e os meios para satisfazê-los.
Que importa o verdadeiro se não sabemos viver? Que importa a justiça se somos incapazes de agir justamente?
A prudência é como um saber viver real ( e não simplesmente aparente, como a polidez). Ocorre-nos recusar numerosos prazeres, explica Epicuro, quando devem acarretar maior desprazer ou dor. A prudência permite evitar dores piores ou obter um prazer mais vivo e duradouro. Por isso por exemplo, vamos periodicamente ao dentista, para evitar uma dor que pode ser pior se deixado para depois.

A prudência leva em conta o futuro, na medida em que depende de nós encará-lo. Virtude presente, mas previsora, antecipadora. O homem prudente é atento, não apenas ao que acontece, mas ao que pode acontecer. É atento e presta atenção. Virtude de paciência e antecipação.

Não se pode chegar sempre ao prazer pelo caminho mais curto. O real impõe sua lei, seus obstáculos, seus desvios. A prudência é a arte de levar isso tudo em conta, é o desejo lúcido e razoável. Os românticos, que preferem os sonhos, torcerão o nariz.
Os homens de ação sabem, ao contrário, que não há outro caminho, mesmo para realizar o improvável ou o excepcional.

A prudência é o que separa a ação do impulso, o herói do desmiolado. Trata-se de desfrutar o mais possível, de sofrer o menos possível, mas levando em conta as imposições e as incertezas do real. Assim, no homem, a prudência faz as vezes do que é nos animais, o instinto, e dizia Cícero, do que é nos deuses a providência.

A prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar. Ora, o perigo pertence na maioria da vezes a segunda categoria, daí a prudência (como preocupação). Todavia há riscos que é necessário correr, perigos que preciso enfrentar (prudência como virtude do risco e da decisão).

A prudência não é nem o medo nem a covardia. Sem a coragem, ela seria fraca, assim como a coragem sem a prudência seria temeridade ou loucura. Uma imprudência absoluta seria mortal.

Na polidez, a criança a princípio não diferencia o que é mau (o erro) do que faz mal (a dor, o perigo). Por isso ela não distingue a moral da prudência, ambas aliás submetidas por muito tempo, à palavra dos pais. Mas crescemos (graças à prudência de nossos pais, depois à nossa), agora essa distinção se impõe a nós, de modo que a moral e a prudência se constituem diferenciando-se. Confundi-las seria um erro, mas sempre as opor seria outro. A prudência aconselha, notava Kant, a moral comanda. Portanto precisamos das duas solidariamente.

Por isso, dizia Aristóteles, não é possível ser homem de bem sem prudência, nem prudente sem virtude moral. Nenhuma virtude poderia prescindir da prudência. O motorista imprudente não é apenas perigoso, também é - pelo pouco caso que faz da vida alheia - moralmente condenável. Inversamente, o sexo seguro é uma sexualidade prudente, também pode ser uma disposição moral, pela atenção que manifesta com saúde do outro.

Isso pode ser encontrado em todos os domínios. O pai imprudente, diante de seus filhos, pode muito bem amá-los e querer sua felicidade. No entanto falta alguma coisa. Se ocorrer um drama, que ele poderia ter evitado, ele saberá que sem ser absolutamente responsável pelo ocorrido, também não é de todo inocente. Querer bem e amor, não bastam, é necessário ser prudente, cuidar...
Primeiro não prejudicar, depois proteger.

Prudência não impede o risco e nem sempre evita o perigo. Veja o alpinista ou o navegador, a prudência faz parte do seu ofício. O princípio do prazer o determina. O princípio de realidade o decide, e quando decide da melhor maneira possível é o que chamamos prudência.

"A prudência, dizia Santo Agostinho, " é um amor que escolhe com sagacidade". Escolhe meios de alcançá-lo ou protegê-lo. Sagacidade das mães e das amantes. Sabedoria do amor louco. Elas fazem o que se deve, como se deve, e dessa preocupação nasceu a humanidade. O amor as guia, a prudência as ilumina.

A prudência leva em conta o futuro, seria perigoso esquecê-lo. A prudência é essa paradoxal memória do futuro, essa necessária fidelidade ao futuro. Os pais sabem disso e querem preservar o futuro de seus filhos.

"Cuidado". É a máxima da prudência, e é preciso ter cuidado também com a moral, quando ela despreza seus limites ou suas incertezas. A boa vontade não é garantia nem a boa consciência uma desculpa. Em suma, a moral não basta à virtude, são necessárias também a inteligência e a lucidez.

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