terça-feira, 2 de junho de 2009

A Temperança (moderação)

Não se trata de não desfrutar, nem de desfrutar o menos possível, mas desfrutar com moderação.
É próprio de um homem sábio usar as coisas e ter nisso o maior prazer possível (sem chegar ao fastio, o que não é mais ter prazer).

A temperança é o contrário do fastio, ou o que leva a ele. Não se trata de desfrutar menos, mas desfrutar melhor. A temperança, que é a moderação nos desejos sensuais, é também a garantia de um desfrutar mais puro ou mais pleno. É um gosto cultivado, dominado.

A temperança é essa moderação pela qual permanecemos senhores de nossos prazeres, em vez de ser escravos. É o desfrutar livre, e que por isso, desfruta melhor ainda, pois desfruta também sua própria liberdade.

Que prazer fumar quando queremos, e não pela força do vício! Beber quando não somos prisioneiros do álcool! Fazer amor quando não somos prisioneiros do desejo! Prazeres mais puros, porque livres. Mais alegres, porque mais bem controlados. Mais serenos, menos dependentes. Porém não é fácil e nem sempre possível.

É nisso que a temperança é uma virtude, isto é uma excelência. Ela é o oposto da intemperança e da insensibilidade, entre a tristeza do desregrado e a do incapaz de gozar, entre o fastio do glutão e o do anoréxico.

O intemperante é um escravo, mais subjugado ainda por transportar por toda parte seu amo consigo. Prisioneiro de sua força ou de sua fraqueza.
Epicuro, Aristóteles ou Platão, preferiam falar de "independência". Não ser dependente de seus desejos ou medo...

A temperança é um meio para a independência, assim como esta é um meio para a felicidade. Ser temperante é poder contentar-se com pouco, mas não é o pouco que importa, é o poder, é o contentamento em conseguir a moderação.

A temperança é um trabalho do desejo sobre si mesmo. Ela não visa superar nossos limites, mas respeitá-los. É a preocupação consigo. É a prudência aplicada aos prazeres, trata-se de desfrutar o mais possível, o melhor possível, mas consciente desse desfrutar, não pela quantidade, mas pela qualidade.
Pobre Don Juan que necessita de tantas mulheres! Pobre alcoólatra que precisa beber tanto!

Epicuro ensinava a sentir os prazeres conforme eles aparecem, tão fáceis de satisfazer quando são naturais. É tão simples matar a sede, a fome ou o sexo! Não precisa de muito para satisfazer.
Não é o corpo que é insaciável. A ilimitação dos desejos que nos condena à falta, à insatisfação ou a infelicidade. Isso nada mais é que uma doença da imaginação.

O sábio estabelece limites para o desejo, como para o temor. São os limites do corpo, da temperança. Mas os intemperantes os desprezam. São prisioneiros do prazer em vez de serem liberados dele (pelo próprio prazer). Eles querem mais, sempre mais, e não sabem se contentar nem mesmo com o excesso. É por isso que os desregrados são tristes, é por isso que os alcoólatras são infelizes.

O sábio tem objetivo mais elevado, mais próximo de si ou do essencial, a quantidade de seu prazer importa-lhe mais do que a do prato que o ocasiona. É um conhecedor. Ele sabe que só há prazer do gosto, e só há gosto do desejo.

O que é necessário é fácil de conseguir, o que não, é difícil de conseguir ou conservar serenamente. Mas quem sabe se contentar com o necessário? Somente o sábio talvez. O melhor e não o mais é o que o atrai e que basta à sua felicidade. Ele vive com o coração contente de pouco. E isso o aproxima da humildade. O egoísta ao contrário só quer mais e mais.

Aquele a quem a vida basta, de que poderia carecer? São Francisco de Assis sabia desse segredo, talvez, de uma pobreza feliz. Mas a lição vale, sobretudo para nossas sociedades de abundância, nas quais se morre e se sofre com maior frequência por intemperança do que por fome.

Não é uma virtude excepcional como a coragem (tanto necessária quanto mais difíceis os tempos), mas é uma virtude comum e humilde. Virtude não de excessão mas de regra, não de heroísmo mas de comedimento. É o contrário do desregramento de todos os sentidos.

Santo Tomás viu que essa virtude, embora menos elevada que as outras ( a prudência é mais necessária, a coragem e a justiça as mais admiráveis), prevalecia muitas vezes sobre elas pela dificuldade. É que a temperança tem por objeto os desejos mais necessários à vida do indivíduo (beber, comer e fazer amor), que são os mais fortes e portanto, os mais difíceis de dominar.
Não se trata de suprimi-los - a insensibilidade é um defeito - mas no máximo controlá-los, de regrá-los, de mantê-los em equilíbrio, em harmonia ou na paz.

A temperança é uma regulação voluntária da pulsão da vida, uma afirmação sadia de nosso poder de existir, em especial do poder de nossa alma sobre os impulsos irracionais de nossos afetos, de nossos desejos, de nossos apetites.
A temperança não é um sentimento, é um poder, isto é uma virtude e tem muito de humildade.

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